A PORTOGRAFIA - Associação Fotográfica do Porto é uma associação de direito privado, fundada em 30 de Junho de 2009, tendo como objectivo promover a divulgação da fotografia, organizar encontros de associados, exposições, concursos e colaborar em iniciativas da comunidade em que se insere e regula-se por ESTATUTOS que foram outorgados em notário e publicados em Diário da República em 30 de Junho de 2009.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

UM PASSEIO EM DEZEMBRO DE 2021

 À volta do grande lago… apontamentos do passeio

À hora aprazada e no local indicado os cinco caçadores de imagens reuniram-se. O chefe de missão deu instruções, gerais umas, mais detalhadas outras. Com muito rigor diga-se. Até assustou um pouco: trajectos, locais, horas e minutos para cada momento. Ao toque da buzina a caravana pôs-se em marcha. Três veículos rodaram A3 e A7 fora. Um vislumbre para o pico do monte Farinha emergindo acima das nuvens e saída rumo a Venda Nova passando por Cabeceiras de Basto e Salto. Nas margens das muitas curvas e contra as ditas já a vontade de estacar e disparar foi crescendo. Os dourados das encostas a par dos fosforescentes verdes das parcelas agrícolas. Eis Venda Nova. Paragem técnica. Alguns quilómetros andados e eis Currais. Se dúvidas houvesse de que era esta a aldeia do roteiro aquelas rapidamente se dissiparam: os odores, os canastros, a vetustez das pedras das casas e muros tal atestavam. Mas eis que dois fidalgos canídeos surgiram numa das apertadas vielas. Seriam reminiscências das antigas Beetrias ? Não havendo resposta, pois não ladravam, os corajosos viajantes reuniram em plenário ad hoc para uma decisão. “Se não ladram é porque não fazem mal”, disse alguém. “Mas…cão que não ladra pode morder”, alvitrou outro. Decisão unânime: avancemos! Não sem antes alguém propor e fazer uma selfie do grupo. Ladrugães foi a paragem seguinte. Um trajecto curto mas que deu para perceber um pouco mais do porquê da classificação das terras do Barroso como paisagem agrícola mundial. Nova paragem no adro da igreja e junto ao cemitério. Campo de mortos em que o colorido dos arranjos florais e a luz bruxuleante das velas contrastavam com o cinzentismo do granito e dos alvos mármores das sepulturas. A aldeia distava umas duas ou três centenas de metros mas pelo menos ali não se avistaram parentes dos que montaram guarda nas ruelas de Currais. O olhar espraiou-se pelas leiras, verdes e luminosas, acondicionadas por muros de pedra. As cornetas adstritas à pequena torre sineira da igrejinha, qual afinado relógio suíço, emitia umas bem sonoras badaladas a cada quarto de hora. Vale por dizer que ali estivemos desde antes das 11h30m e a viagem foi retomada depois do quarto seguinte. Travessia lenta pela rua principal, lamacenta e em obras, rumo a Vila da Ponte. Se a dita é ‘da Ponte’ haveria que o comprovar. Dois congestionamentos logo surgiram. Um provocado pela inusitada caravana de três veículos. Outro pela saída dos estábulos de dezenas e dezenas de bovídeos rumo aos pastos adiante sitos entre o rio Rabagão e a floresta. Obviamente que estes tiveram prioridade na ocupação da via. Talvez algum pensamento desviante tenha ocorrido: um dia estes animais forneceriam suculenta matéria prima para uns grelhados e assados com a marca ‘barrosã’. Antes da descida da ladeira rumo à dita Ponte, uma paragem no largo. Dois dedos de conversa com uma aldeã e do nada surge uma fera, perdão, um cachorrozito que apenas desejava umas brincadeiras e não colocar entraves aquela gente desconhecida, com uns estranhos utensílios a tiracolo. Ponte alcançada, umas voltas à volta do lugar. Mais uma selfie, com o rio Rabagão em fundo. Inominadas personagens travestidas de sombras foram registadas por um aparelho que também serve para fazer chamadas. Ah! Tal selfie é prova provada d que o grupo excursionista ali esteve, ali se deteve. As paredes do estômago já se contraíam, demandando alimento. Avancemos então. Proposta bem aceite. Já se divisava o grande lago, meio-cheio (ou meio-vazio?). O restaurante Rabagão destaca que a sua especialidade são os assados. Pois bem. Havia que comprovar. Duas portas de entrada… fechadas. Numa delas um improvisado e manuscrito aviso informava: “estamos fechados porque a nossa cozinheira teve uma entorça. Pedimos desculpa”. E agora? Bem há aqui próximo um restaurante bom, o “Sol e Chuva”. Bora lá, disse a menina do pompom e não restava alternativa. Vista para o grande lago. Bem amesendado diria um crítico gastronómico. Dificuldade não prevista: o apelativo menu do dia. Pelo menos o seguinte: Cozido barrosão, feijoada à transmontana, polvo à lagareiro e cabritinho à barrosã. Pelo preço cada dose, questionaram-se os clientes, deve chegar para três. Dúvida logo desfeita pela jovem empregada: podemos fazer meia dose. A conversa do costume… o que vais querer ? será que…? E se…. Ponto final: meia dose de feijoada, duas costeletas de carne barrosã (sim, dá para dividir…). “Desculpem mas não temos costeletas”; então que saiam duas postas barrosãs. A dita feijoada chegou na dianteira, terrina avantajada e fumegante. “Oh menina ! Deve haver engano. Era meia dose!”. “ Mas isso é meia dose ! Se é muito pode levar o que restar”. Sobre as postas não se pronuncia muito o escriba pois só pode dizer: muito boa! Entre duas garfadas lança-se o olhar para o grande lago. Deixou de ser visto pois uma densa neblina, qual avantajado manto, submergiu o espelho de água e suas margens. Um pensamento de decepção terá perpassado na mente dos peregrinos que ali rumavam. Nada de desanimar pessoal, alvitrou o chefe de missão. Proponho irmos até uma zona que poderá ser interessante: Penedones. Bora lá! Já devíamos estar a caminho! Rezingou a menina do pompom. Eis o grande lago! E havia luz, muita! Entrecortada por bruma em movimento. Bem visíveis as marcas da seca hidrológica (será este o termo?). Terreno entre o pedregoso, arenoso e em muitos sítios a remeter para uma paisagem lunar. Muitas pedras enfileiradas a remeter para ancestrais demarcações de terras agricultadas de antes do apresamento das águas do Rabagão. O grupo, entretanto reduzido a quatro exploradores, dispersou naquele amplo ponto de mira. Ele era a quietude do grande lago, ele era as curvas e contracurvas das margens, os reflexos … Em menos de uma hora, as cambiantes de luz foram muitas e variadas, a luz e a sombra, o azul e o cinzento. Enfim, um esconde-esconde. Lá mais acima um carro em pose cinematográfica. Para ser fotografado como modelo para um catálogo de uma dada marca. Enfim… carro sofre. O anoitecer fazia-se já anunciar (ou seria o nevoeiro denso a aproximar-se ?). O escriba tinha, imperativamente, de regressar ao ponto de partida. Com pena é certo. Mas de coração cheio, cabeça desanuviada. No bornal o produto de uns quantos cliques. Esses contam outras estórias. Nota final: este arrazoado foi escrito ao correr da pena e da memória breve de um dia de passeio ‘à volta do grande lago’ (dia 11 de dezembro de 2021), outras memórias que não substituem as fotografias registadas.

Carlos Cunha



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